segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

512, 513, 514 e 515

" Não havia muito tráfego na High Street, e quando desceram a escadaria defronte à Faculdade Magdalen em direção aos portões do Jardim Botânico estavam completamente sozinhos. Havia uma passagem ornamentada que dava para um caminho com bancos de pedra logo adiante e, enquanto Mary e Serafina sentavam ali, Will e Lyra subiram pela grade de ferro e entraram no jardim propriamente dito.
- Por aqui - disse Lyra, puxando a mão de Will.
Ela o conduziu, passando por um lago com uma fonte que ficava debaixo de uma árvore de grandes ramagens, e depois seguiu para a esquerda andando em meio aos canteiros de plantas em direção a um pinheiro imenso com um número infindável de galhos. Ali havia um muro maciço de pedras com uma porta de entrada e, mais para dentro, na parte mais distante do jardim, as árvores eram mais jovens e plantadas num arranjo menos formal. Lyra o levou quase até o fim do jardim, passando por uma pequena ponte, até um banco de madeira, que ficava debaixo de uma árvore de galhos abertos e baixos.
- Achei! - exclamou ela. - Eu tinha tanta esperança que fosse assim e aqui está, exatamente igual... Will, eu costumava vir a este lugar na minha Oxford e sentar exatamente neste mesmo banco sempre que queria ficar sozinha, só eu e Pan. O que pensei foi que se você... talvez apenas uma vez por ano... se pudéssemos vir aqui ao mesmo tempo, para passar uma hora ou coisa assim, então poderíamos fazer de conta que estávamos juntos de novo... porque estaríamos juntos, se você sentasse aqui e eu sentasse bem aqui no meu mundo...
- Isso - disse ele -; enquanto eu viver, sempre voltarei aqui. Não importa onde eu esteja no mundo, voltarei aqui...
- No dia do Solstício de Verão - completou ela. - Ao meio-dia. Enquanto eu viver. Enquanto eu viver...
Ele descobriu que não conseguia enxergar, mais deixou as lágrimas ardentes escorrerem e apenas a abraçou bem apertado.
- E se nós... se mais adiante... - ela estava falando num murmúrio trêmulo - ... se um dia conhecermos alguém de quem gostarmos e se nos casarmos com essas pessoas, então deveremos ser bons com elas e não ficar fazendo comparações o tempo todo, nem desejar que em vez disso tivéssemos nos casado um com o outro...
Mas apenas continuar essas vindas até aqui uma vez por ano, apenas por uma hora, só para estarmos juntos...
Eles se abraçaram com força e ficaram assim. Minutos se passaram; uma ave aquática no rio ali perto se agitou e gritou um chamado; de vez em quando passava um carro pela Ponte Magdalen.
Finalmente eles se afastaram.
- Bem - disse Lyra em tom suave.
Tudo nela naquele momento era suave; e aquela seria uma das lembranças favoritas de Will, bem depois - a tensão de sua graça ansiosa suavizada pela meia-luz, seus olhos e mãos e, especialmente seus lábios infinitamente suaves. Ele a beijou uma vez depois da outra, e cada beijo chegava mais perto de ser o último de todos os beijos.
Com os corações pesados, mas ao mesmo tempo eternecidos pelo amor, eles foram caminhando de volta até o portão onde Mary e Serafina esperavam
- Lyra - disse Will.
E ela chamou:
- Will.
[...] Seu dimon sabia o que ele deveria fazer e disse apenas:
- Lyra.
É claro. Ele balançou a cabeça concordando e, com a faca na mão direita, tocou com a mão esquerda o ponto em seu rosto onde ainda estava a lágrima de Lyra.
E dessa vez, com um estalar violento, a faca se espatifou e a lâmina caiu em pedaços no chão, reluzindo sobre as pedras que ainda estavam molhadas da chuva de outro universo. "

A Luneta Âmbar. Philip Pullman

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