segunda-feira, 17 de março de 2014

TOC

*Texto escrito por um portador de TOC.
*A música tem a ver, se você interpretar que cada um deixou alguém e não a forma que deixou.


   Na primeira vez que eu a vi, tudo na minha cabeça ficou quieto. Todos os tiques, as imagens que se atualizavam constantemente apenas... sumiram. Quando se tem transtorno obsessivo compulsivo (TOC), você realmente não consegue momentos de quietude. Até na cama eu penso:
  -Tranque a porta? -sim - desliguei as luzes? - sim. Mas quando eu a vi, a única coisa que eu podia pensar era na curva dos seus lábios ou no cílio na bochecha dela.
   Eu sabia que tinha que falar com ela. A convidei para sair umas seis vezes... em trinta segundos. Ela disse "sim" depois da terceira vez, mas nenhuma pareceu certa então eu tinha de continuar. No nosso primeiro encontro eu passei mais tempo organizando minha comida por cor do que comendo ou falando com ela, mas ela amou.
   Ela amou eu ter de dar 16 beijos de boa noite. Ou 24 se fosse quarta-feira. Amou ter demorado uma eternidade para chegar em casa porque tem muitas rachaduras nessa calçada. Quando fomos morar juntos, ela disse que sentia segura, como se ninguém fosse nos roubar, porque eu com certeza tranquei a porta 18 vezes. Eu sempre olhava para sua boca quando ela falava.
   Quando ela dizia que me amava a sua boca se curvava nos cantos. A noite ela deitava na cama e me assistia ligar e desligar, ligar e desligar, ligar e desligar todas as luzes. Fechava os olhos e imaginava que dias e noites passavam a sua frente.
   Em algumas manhãs eu começava a dar beijos de tchau, mas ela ia embora porque eu a estava atrasando para o trabalho. Quando eu parava em frente de uma rachadura na calçada ela só continuava andando. Quando ela dizia que me amava a boca dela era uma linha reta. Ela me disse que eu estava tomando muito do tempo dela.
   Semana passada ela começou a dormir na casa da mãe. Me disse que não deveria ter deixado eu me aproximar dela, que tudo foi um erro. Mas como pode ser um erro, se eu não tenho que lavar as mãos depois de tocar nela?
   Amar não é um erro e está me matando ela conseguir correr disso e eu não. Não consigo sair de casa e achar alguém novo, porque eu sempre penso nela.
   Normalmente quando eu me obceco por coisas, vejo germes entrando na minha pele. Me vejo esmagado por uma sucessão sem fim de carros. E ela foi a primeira coisa bonita em que eu fiquei preso.
   Quero acordar todas as manhãs pensando na maneira que ela segura o volante. Em como ela abre o registro do chuveiro como se fosse um cofre, o jeito que apaga as velas...
   Agora eu só penso em quem a está beijando. Não consigo respirar porque ele só a beija uma vez e não se importa se é perfeito. Eu a quero tanto de volta, que deixo a porta destrancada as luzes acesas.


*Veja o clipe
*O vídeo original

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